CAP I – Distância
Naquela tarde de final de outono o termômetro marcava 5ºC. Segundo os especialistas, um recorde em relação aos registros que datam um século. Deixei Laura e o pequeno João com somente um objetivo em mente, um futuro digno para todos nós. Não os vejo por duas semanas que parecem meses, evitamos muitos telefonemas para economizarmos no caso de uma emergência eventual. A saudade aperta, porém o desespero aumenta mais ainda na medida em que o dinheiro diminui e o limite para encontrar o emprego praticamente se esgota. Evito pensar na possibilidade de retornar agora e assumir mais um fracasso perante eles. Minha rescisão dos dez anos dedicados ao departamento financeiro da única empresa com departamentos em Porto Seco ainda suprirão dois meses deles e, no máximo, uma semana minha. Preciso encontrar a minha tão sonhada oportunidade na capital, porém as míseras opções que surgem não me inspiram a uma possibilidade sequer comparável a que eu possuía com total estabilidade em minha cidade natal. O Sr. Percy, como gosta de ser chamado, foi muito legal ao concordar em me demitir como eu pedi. No fundo ele não é a pessoa insensível como quase todos os funcionários o descrevem, apenas como dono da empresa, precisa dirigi-la com a austeridade de um gestor moderno. Se é que se pode chamar algo de moderno naquele fim de mundo.
- Oi meu amor, cheguei ao albergue e me deram o recado. Algum problema? Tudo bem com o João?
- Boa noite Re! Liguei porque o João estava febril desde ontem e queria levá-lo ao médico, mas parece que já está melhor.
- Ainda bem Laura, a coisa por aqui está bem difícil, parece que minha experiência não significa muita coisa. Estou com muito medo.
- Eu tenho mais uma notícia Re. Comecei a trabalhar hoje na Confeitaria Imperial.
Acho que não senti uma dor igual em momento algum de minha vida.
- E o João?
- Minha mãe está ficando aqui em casa até eu arrumar alguém de confiança.
- E o salário compensa pagar alguém para ficar com o João?
- Renato, nosso dinheiro está acabando. Não é muito, mas eu posso ajudar. Eu preciso ajudar.
- Mas precisava ser lá?
- Renato, por favor, não vamos discutir isso. Está tudo bem, vamos superar mais essa.
- Fique bem Laura, dê um beijo no João por mim.
- Darei sim. Nós te amamos.
- Amo vocês.
- Beijo.
- Tchau.
Não gostei do tom dela ao telefone, parece magoada, ela não compartilha minha ambição por um futuro melhor para nós, apenas aspira por uma vida tranquila, sem riscos ou desatinos, completamente diferente de mim, mas nosso amor equilibra nossas diferenças. O que será que está realmente acontecendo? Por que aceitou trabalhar na loja daquele ex-namorado dela?
Acordei muito cedo, aliás, nem sei se dormi realmente. Mais um dia duro pela frente, tenho três entrevistas agendadas. Vou tomar apenas um café com leite no bar Estação 10 no final da rua, e partir para a maratona de ônibus com várias escalas nesse frio seco da capital. Minha pele parece que vai rachar a qualquer momento.
Cheguei trinta minutos antes a minha primeira entrevista. Antes de subir, liguei para casa.
- Alô?
- Quem fala?
- Regina.
- Bom dia D. Regina. É o Renato. Laura está?
- Ela já saiu para o trabalho Renato.
- Ah, ok então, obrigado. Bom dia para a senhora.
- Tchau Renato.
A entrevista transcorreu normalmente, mas resultou somente em mais uma promessa de me ligarem no caso de me escolherem para a vaga.
Ainda faltam duas horas para a próxima, então decidi me abrigar no Shopping que fica ao lado da empresa, pois o frio está insuportável na rua. Depois de muito avaliar o custo benefício de uma rápida refeição, porém energética o suficiente para me segurar até o dia seguinte. Decidi por um Buffet de comida mineira. Com certeza teria sido a decisão correta, exceto pelo fato de ao me virar após deixar o caixa, ter dado de encontro com uma moça que passava distraída e, sem exagero algum, ter conseguido deixar limpo o prato, logo após o virá-lo em seu peito. Acho que ela entrou em choque, ou sentiu pena pela expressão que devo ter transparecido de total desespero, nem tanto pelo desastre em sua roupa, mas pela perda da comida, porém ela nunca saberia disso. Apenas ouviu meus quinze pedidos de perdão enquanto tentava inutilmente com alguns guardanapos se recompor apresentável, não respondeu, e deixou rapidamente o local.
Cheguei ao escritório da empresa de recrutamento, cerca de vinte minutos de antecedência e aguardei até ser chamado pela recepcionista atenciosa.
- Sr. Renato, o Sr. será atendido pela Dra. Natty, pode me acompanhar, por favor?
- Claro, com certeza. – Apenas a segui até uma porta com os dizeres: Dra. NattyCentiny, psicóloga e psicoterapeuta.
- Por favor, sente-se e aguarde um minuto, que a Dra. estará aqui para lhe atender. Aceita um café, uma água?
- Muito obrigado, estou bem assim.
Estou bem, muito nervoso eu quis dizer, então ouvi nas minhas costas a voz dela, foram apenas poucas palavras, mas um som que não sairá jamais de dentro de mim. Que incrível. Suave, numa tonalidade que seduz, de forma musical até, indescritível.
- Boa tarde, Sr. Renato. O Sr. deseja uma água, um café? – Repetindo o que a recepcionista me oferecera. Sentou-se e ficou frente a frente comigo. Eu não havia reparado nem parte de sua beleza enquanto tentava, sem sucesso, limpar toda a comida que escorria por suas vestes de uma hora atrás.
Ela ficou me observando por quase dois minutos, antes de falar novamente, imagino que se concentrando para não me expulsar imediatamente da sala. Mantive-me igualmente em silêncio, observando boquiaberto sua beleza. Então, subitamente, deixou escapar uma gargalhada contagiante. Gargalhamos juntos, quem assistisse diria que nos conhecíamos há anos.
- Perdão Dra., não sei como fui deixar aquilo acontecer.
- Esqueça Seu Renato, já passou, agora só restou a lembrança de uma cena trágica, porém cômica, não se preocupe. O Sr. prefere que a entrevista seja realizada por outro profissional?
- Não, claro que não Dra., a Sra. pode prosseguir, é claro. – Já não sabia se estava raciocinando em relação ao emprego ou ansiando platonicamente, permanecer o maior tempo possível perante ela.
A entrevista foi tranquila realmente. Apenas, além da famosa promessa de uma ligação posterior, no caso de ser selecionado, ela me informou também que a vaga disponível era para a sua própria empresa, que não era propriamente uma empresa de recrutamento e seleção, mas uma clínica psicoterapêutica e de coaching pessoal e profissional.
Por favor, o título do post precisa ser corrigido. Está escrito "Encotros" ao invés de "Encontros".
ResponderExcluirObrigado.
Luciano.