segunda-feira, 22 de abril de 2013

Encontros e Desencontros-Capitulo 06

CAP VI – O Mistério

A viagem foi muito longa, pois não havia músicas ou livros que fizessem com que minha cabeça tomasse outro rumo a não ser aquele trágico acontecimento. Eu bem que percebi sua feição diferente no dia anterior, mas nunca iria imaginar que logo mais isso aconteceria, na verdade, será que teve algo a ver? Será que ela já imaginava que isso iria acontecer? E se eu tivesse me importado mais em perguntar o que estava acontecendo? Fiquei tão entusiasmado com a ideia de visitar minha família, que acabei deixando de lado um comentário cotidiano que poderia mudar toda uma vida, talvez.
Ao chegar de Porto Seco, fui direto para a clínica, a fim de encontrar Natty, alguns investigadores e um tumulto imenso. 
Surpreendi-me ao perceber que a clínica estava totalmente silenciosa e fechada. Ainda não tinha as chaves, fiquei rodeando por fora, mas nenhum movimento sequer. 
- Natty, onde você está? Acabei de chegar na cidade.
- Oi Renato, estou na delegacia. Você sabe onde fica? – Sua voz estava trêmula, e ao mesmo tempo tranquila.
- Não, mas vou descobrir, não deve ser muito difícil, logo estarei aí.
Não desperdicei tempo, passei no albergue, deixei minha pequena bolsa de roupas e logo acionei o GPS do meu celular para encontrar a delegacia da cidade. Por sorte não foi difícil, ficava há quinze minutos dali onde eu estava hospedado. Caminhei com passos largos, olhando apenas para o celular e pensando o que fazer a hora que chegasse lá, não saberia como agir diante dessa situação, consolando pessoas que havia conhecido há uma semana exatamente. 
- Oi Natty, como você está? – Ao perguntar isso, abracei-a afetuosamente e senti um calor agradecido em seu abraço.
- Renato, eu não sei o que aconteceu. Como ela caiu lá? Não consigo contato com os familiares dela, por isso estou tão desesperada.
- Acalme-se Natty, nós vamos dar um jeito. – Falei aquilo para acalmá-la, pois se ela não sabia como encontrá-los, como eu saberia? Estava começando a me preocupar também, mas não deixei transparecer, eu precisava ser o apoio naquela hora.
- Onde está Jaque? Perguntei na esperança de ela responder que ela já estava resolvendo algo, pelo menos o funeral.
- Eu não consegui falar com ela, foi viajar também.Deixei um e-mail, mas sei que não vai ler, por isso liguei para você, não sabia mais a quem recorrer. – A cada frase dita, ela segurava ainda mais forte meu braço, como se estivesse com medo que eu saísse dali, porém, eu não sairia jamais. Percebi que o psicológico dos psicólogos não era exatamente como eu imaginava. Eles também desabam um dia, e um simples contador seria o suficiente para dar-lhe segurança. Senti-me importante, valorizado, lembrei-me de Laura, e a decepção começou a florescer novamente dentro de mim ao perceber que o valor dado não era o mesmo recebido. 
O investigador se aproxima com indiferença, falando conosco e olhando apenas para a prancheta em suas mãos.
- Qual a ligação de vocês com a vítima?
- Somos colegas de trabalho, não conseguimos contato com a sua família. – Respondo logo, afastando Natty desse transtorno.
- Ótimo. Então vocês a conheciam muito bem. Acompanhem-me para um interrogatório. – E logo seguiu caminhando, esperando que o seguíssemos.
- Vamos lá. – Disse olhando afetuosamente para os olhos de Natty, e só então percebi que ainda estava segurando a sua mão. Ela retornou o olhar suplicando por segurança, e eu só pensava nisso, em ser realmente essa figura importante na vida de alguém, já que na vida de Laura, eu estava sendo substituído.
- Então, vocês trabalhavam há quanto tempo com Deise? – O investigador era direto, mas eu já não esperava tratamento muito diferente mesmo. Pude ler em seu uniforme o bordado escrito Tavares.
- Eu trabalho há uma semana, mas Natty... Bem, há quanto tempo vocês trabalhavam juntas? – Só então percebi que não conhecia o passado da empresa em que eu estava trabalhando.
- Gostaria de lembrar que sou eu quem faz as perguntas e vocês respondem, autorizei o interrogatório dos dois juntos, porém, você não precisa repetir, acho que a moça entendeu o que perguntei. – Além de direto, era um sujeito grosso e bufava a cada pergunta feita e a cada resposta recebida, como se aquele papel não fosse dele, como se tivessem o atirado em um sacrifício.
-Eu trabalho há três anos. Contratei-a quando completou 18 anos, ela era uma pessoa responsável, tímida, amorosa...
-Por favor, responda somente o que for perguntado. – O investigador interrompe. – Ultimamente ela havia adotado algum comportamento estranho? Fora de sua personalidade cotidiana, alguma atitude diferente, alguma palavra, algum amigo diferente?
- Eu não notei. Não era ligada a sua vida fora da empresa, não sabia se estava com amigos diferentes, mas o seu agir dentro da empresa estava normal, pelo o que percebi. Você notou algo Renato? – Ela me perguntou e logo se assustou consigo mesma ao me interrogar, o investigador Tavares revirou os olhos e escrevia coisas que só ele conseguiria ler depois. Ignorei sua pergunta, deixei que ele a fizesse para não piorar a situação.
- Faço a mesma pergunta a você. – Ele disse para mim, sem ao menos levantar os olhos do papel.
- Na sexta-feira à tarde eu notei algo diferente, tivemos uma conversa profissional, porém, senti que ela não estava aberta para conversar. Sem insistir, eu ignorei sua mudança de estado. O senhor acha que tem alguma coisa a ver? – Por força do hábito também fiz um questionamento, e logo implorei para que ele não tivesse ouvido. Por sorte ele fingiu que não ouviu.
- Peço para que os dois se retirem, irei fazer algumas investigações no local e interrogar outras pessoas que possam estar envolvidas. Até mais ver, entro em contato com vocês.
- Quem mais poderia estar envolvido? – Natty pergunta por trás de mim. Sinto que ela não terá resposta para essa pergunta tão interessante, então a abraçoe a guio comigo até a saída da delegacia.
- Vamos cuidar do funeral. Você já foi olhar algo?
- Meu Deus Renato, me ajude. Eu esqueci completamente. Vamos até o necrotério.
O lugar não era nada agradável, como esperado, mas agi de forma cautelosa e muito madura, apesar de nunca ter passado por nenhuma situação parecida, exceto quando minha avó morreu, mas eu era novo, não conhecia e não tinha interesse naquele lugar, por isso fiquei no pátio que havia lá fora, brincando com meus primos, como pude? Será que João agiria assim? Acho que não, as crianças hoje em dia estão com um amadurecimento precoce fora do normal, como se fossem máquinas que os cientistas vão aperfeiçoando com o tempo.
Teve algumas burocracias para que pudéssemos reconhecer o corpo e dar entrada para um funeral. 
- Renato, estou com medo, precisamos mesmo fazer esse reconhecimento? 
- Precisamos sim, sem isso não poderemos tirar o corpo para o funeral que devemos fazer. Se você quiser, eu posso ir lá.
- Por favor, prefiro que vá. Não vou conseguir vê-la nesse estado. Será que demora?
- Acredito que não. Você me espera aqui? Já retorno.
Os processos esterilizantes para entrar na sala eram básicos. Havia apenas um corpo naquela sala, segundo eles, de Deise. Eu não tinha um contato emocional com ela tão grande, quanto Natty, por isso estava sentindo apenas um desconforto e um nó na garganta ao lembrar que não havia nenhum familiar por perto para reconhecer, lamentar ou desejar que aquela vida voltasse.
Hesitei algumas vezes antes de retirar o tecido que cobria seu corpo, não sabia o que iria ver, pois não relataram como encontraram o corpo. Forcei a mente para lembrar apenas de seu rosto tímido e olhar atencioso que demonstrava competência. Será que o que eu veria ali seria apenas um casco sem alma? Será que não conseguiria ver por trás sua alma e permanecer com a lembrança de sua vida? Não tinha mais como escapar, lembrei de Natty na sala de espera e retirei bruscamente o tecido de seu rosto até o inicio dos seios.
Quem era aquela pessoa e o que haviam feito com Deise? O rosto estava completamente desfigurado, mas era ela, eu tinha certeza. Não sei por qual feição, forma ou sinal. Mas com certeza era.

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