segunda-feira, 3 de junho de 2013


CAP XII –A Viagem

No outro dia chovia muito, foi difícil levantar da cama. Olhei pela janela e aquela chuva me convidava a ficar um pouco mais dentro de casa, protegido daquela provável frente fria que passava lá fora. Peguei a xícara de café, que na verdade era uma caneca gingante personalizada que ganhei de João no dia dos pais no ano passado. Sentei-me na cama e não pude deixar de lembrar aquele dia em que cheguei exausto do trabalho, numa terça-feira rotineira e João veio correndo agraciando-me com essa caneca, desejando-me um "feliz dia dos pais". Essa e outras lembranças me faziam fraquejar, eu não podia regredir, fiz todas essas escolhas afim de proteger e dar conforto aos dois, então deveria prosseguir com aquilo, porém, havia uma pessoa que me fazia duvidar e questionar toda aquela minha realidade. Essa pessoa era Natty. Ela era uma mulher encantadora, independente e provocante, me tratou com informalidade e ao mesmo tempo intimidade desde que nos conhecemos, me deixando cada vez mais a vontade para entrar cada vez mais no seu mundo solitário e na sua vida complicada, pois mesmo quando se armava independente, não conseguia esconder sua carência por uma conversa amiga e um peito reconfortante para lhe escutar no fim do dia. Ela parecia-se com Laura em alguns momentos, eu podia ver em nossas conversas como ela se concentrava fingindo que estava me ouvindo e no fim estava pensando no que tinha que fazer amanhã ou no que havia feito durante o dia. Laura era impaciente e gananciosa, tinha gana de conseguir suas coisas, de uma vida melhor, uma educação digna para João e gana de muitas outras coisas que ela lutava com muita garra, e por esse motivo que eu estranhava tanto a sua paciência em esperar um pouco mais para vir morar comigo.
- Bom dia Kelly! - Cheguei juntamente com ela na porta da clínica. Quase todos os dias éramos os primeiros a entrar.
- Bom dia Seu Renato. Tudo bem?
- Tudo! Tirando essa chuva, claro. E você, vai bem?
- Sim, claro. – Dificilmente me enganava com as pessoas e suas manias e reações, e Kelly, naquele dia, estava exuberante. Senti algo estranho no ar, embora uma visão muito agradável, claro.
- Vou para minha sala e, por favor, Kelly, quando Dra. Natty chegar, me ligue. Preciso conversar com ela ainda pela manhã. – Falei isso e fiquei analisando-a praticamente sem disfarçar, iria ficar ainda mais de olho nos seus passos hoje, no máximo seria uma implicância minha, não custaria nada arriscar.
- Kelly, Dra. Natty ainda não chegou? – Liguei uma hora após nossa chegada.
- Seu Renato, ela ainda não chegou. O Senhor quer que eu tente no celular?
- Não, obrigada, Kelly, vou aguardar.
- Ok, Seu Renato, disponha.
- Bom dia Renato! – Natty abriu a porta da minha sala na metade da manhã. A hora que a vi tentei não fazer nenhuma expressão que deixasse claro como eu estava feliz e reconfortado ao vê-la, e como estava lembrando ainda mais do nosso beijo na noite anterior.
- Bom dia Dra. Algum problema? Atrasada. Não que seja da minha conta. – Levantei-me e fui ao seu encontro.
- Problema? Essa chuva lá fora é um grande problema, me segurou na cama por mais meia hora. Acredita?
- Acredito sim, com certeza. – Sentamos no sofá da minha sala.
- E então, quando vai acertar os papeis do apartamento?
- Vou hoje, acho que vou precisar sair pelo menos uma hora mais cedo do fim do expediente para conseguir conversar com o corretor com calma.
- Claro, isso é um pedido? Eu autorizo você sair mais cedo. – Ela respondeu carinhosa e animada, como de costume.
- Obrigada Natty, vou avisar Jaque mais tarde então. – Somente ao falar seu nome me dei conta de que não a vi hoje ainda.
- Ela não está na clínica hoje, Renato. Pode ir, sem problemas. – Senti certo alívio nas palavras de Natty.
- Tudo bem com ela?
- Creio que sim, deixou o recado apenas com Kelly. Eu não estava sabendo de nenhuma viagem profissional por essa semana.
- O que está acontecendo Natty? – Cheguei mais perto, afim de que ela se abrisse totalmente e pudéssemos entender e resolver o problema das duas.
- Oi? Não entendi sua pergunta. – Com certeza ela sabia do que eu estava falando.
- Com você e Jaque, pensei que fossem sócias e amigas intimas.
- E éramos Renato, já falei com você sobre isso. Não sei o que está acontecendo com ela.
- Vamos resolver isso então. – Levantei-me e liguei para Kelly. – Kelly, para onde Jaque foi viajar?
- Oi, Seu Renato. Algum problema?
- Você pode responder minha pergunta? – Por vezes ela me tirava a paciência, simplesmente pelo fato de estar por trás de tanto mistério.
- Seu Renato, ela foi para a cidade de seus pais. Não tenho mais detalhes, foi apenas isso que deixou dito e pediu para que não ligassem para ela, pois amanhã ela estará na clínica novamente. – Ela estava mentindo, eu só não conseguia entender o por quê, não conseguia imaginar um lugar que Jaque pudesse ter ido que não pudéssemos saber, ou ao menos Natty.
- Obrigada.
- Onde ela está? – Natty perguntou despreocupada.
- Na casa dos pais, provavelmente.
- Que inveja boa, hein?Você não está? – Ela perguntou-me ficando cada vez mais a vontade no sofá, mostrando toda a sua vontade de estar ainda em sua cama.
- Na verdade, estranho. – Eu não consegui relaxar como ela. Será que era eu que fazia as coisas serem mais difíceis do que já eram? Mas não conseguia olhar aquela situação limitado ao que Kelly disse, precisava ir além e considerar todas as possibilidades. Mas decidi não preocupar Natty. – Bom, acho que precisamos trabalhar.
- É verdade, tenho uma cliente nova essa tarde, sempre me animo com isso, pessoas novas, histórias novas... Nem queira saber o que anda incomodando essas pessoas de hoje em dia, por vezes tenho que me cuidar para não entrar na onda. – Ela brincou.
- Por favor, prefiro não saber, me deixe com meus números. – Retornei a brincadeira e voltei ao trabalho.
- Renato, sobre ontem, eu não sei o que aconteceu, se a culpa foi minha, por favor, peço que me...
- Natty, por favor, não há culpa no que aconteceu. Tenha um bom dia.
Quando o relógio marcou 12:00h arrumei minhas coisas para ir almoçar, hoje seria um dia apropriado para convidar Natty para almoçar, já que Jaque não estava na clínica para nos alfinetar, porém, eu ainda estava intrigado com Kelly, e resolvi conferir se havia algo de errado mesmo.Segui disfarçadamente os seus passos, ela andava depressa, sequer olhava para trás ou para os lados, apenas para frente. Ao chegar ao shopping, tive dificuldade em continuar fixo em seus passos, pois havia uma pequena aglomeração na entrada devido ao fato da chuva estar aumentando ainda mais.
Quando enfim consegui reconhece-la ela já estava acomodando-se em uma das mesas na praça de alimentação. Sentei perto, apenas alguns pilares nos afastavam e eu estava seguro por ali.
- O Senhor deseja olhar o cardápio? – A garçonete simpática veio até mim.
- Sim, obrigada.
Fingi estar lendo os pratos que eles ofereciam, porém, meus olhos estavam fixos na mesa de Kelly, que batia os pés demonstrando impaciência ou nervosismo.
De repente ela se levantou e começou a caminhar tão rápido que quase a perdi de vista. Deixei o cardápio em cima da mesa e continuei minha perseguição. Enfim, ela esbarrou em um rapaz que logo a segurou e ela retribuiu o olhar aliviada, ele a abraçou intimamente e saíram caminhando no mesmo passo rápido que ela caminhava. Naquela altura ela já devia ter notado que alguém a seguia, pois conseguiram me despistar totalmente, os perdi de vista em questão de segundos. Tornei a procurar, porém, sem sucesso.
Retornei para a clínica sem ter almoçado e sem alguma informação concreta, apenas uma grande curiosidade: Quem era aquele rapaz e por que ela estava tão nervosa para encontrá-lo? Por que andaram como se estivessem fugindo de alguém?

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